O Espelho e eu
De novo, eu e o espelho estamos inconpatíveis
Ele diz que estou gorda e eu não me sinto tão gorda assim.
Fico irritada, brigo com ele e com a imagem que me mostra.
Não aceito esta brincadeira implicante que se propõe.
Estou de pretinho básico, silhueta alongada por saltos 12 cm.
Comprei vários sapatos de saltos depois que meu amigo,
engenheiro, ensinou-me a importância da Lei Altura x Largura,
para dar o efeito mais longilineo.
Caminho com dificuldade não nego, quase uma equilibrista, mas
pelo menos uns 3 quilos eu perco com este artificio.
À noite estou com uma dor nas pernas e nas costas, que se eu
contar voce não irá acreditar.
Dói muito, mas mesmo assim, não desisto. É o preço.
Será que o espelho não poderia valorizar meu esforço e mostrar
o corpo alongado, ao invés desta forma redonda que vejo?
Esta semana estive no Fashion Week. Juro que senti uma certa
vantagem com minhas formas arredondadas, em contraponto
com a magreza absoluta das manequins.
Parecem que vão se desmanchar em cacos, com o menor esbarrão.
Transar deve ser uma tarefa cuidadosa para o parceiro,
só posições estratégicas.
Nunca poderá abandonar o corpo inerte sobre o dela, com aquele
peso morto de depois do gozo, para não sofrer o risco de ficar sem ela.
Parece que estou com inveja… não, não estou.
A obsessão da magreza é tanta que, outro dia, perguntaram a uma prima
sobre minha pessoa e ela, muito versada na arte da conversação, disse:
“Ela era gordinha, hoje continua gordinha !”
A paranóia dela com corpo e beleza a tornou praticamente burra, a
ponto de não saber ver nem conteúdo e nem além…
Para ela, a pessoa é apenas gorda ou magra, e esta identidade sobrepõe
até mesmo o nome...
Voce estuda, voce trabalha, reliza, voce tem filhos, marido,
casa, todas as beneces que uma vida pode proporcionar e no entanto,
a pequenês do olhar do outro pode resumir voce na especificação de sua
massa corporal de gordura. Nada mais.
Olho o espelho inimigo mais vezes do que o necessário. Reconheço minha
insistência de negá-lo. Meu olhar é fraterno, amigo, não posso de forma
alguma compactuar com ele.
Aliso minha pele lentamente, sinto a sensualidade que aflora. A textura
suave dos mil cremes ali usados a tornaram macia.
O excesso de pneuzinhos e celulites são contornados e acarinhados com
o mesmo gesto. Não há desprezo.
Talvez tenha aprendido a me amar, com o tempo e a idade, de forma
condescendente. Tenho certeza que me amo muito mais do que este
espelho maldito me ama. Ele já viciou o olhar com a mesma pobreza
de leitura que minha prima. Começo a ter pena deles. Quem sabe ele
também seja parente daqueles espelhos deformantes dos circos e
parques de diversões. É, pode ser isso... Na época que o comprei, não
perguntei a origem.
Este flash de luz, em forma de argumento, me fez sentir melhor.
Posso sorrir para mim mesma, confiante, outra vez.
Olho para o espelho desafiadora e, na imagem refletida, plena de
auto estima, estou feliz de ser como sou.
Cresço tanto que ultrapasso o espaço no qual ele me enquadra,
de forma obtusa. Cresço tanto que tenho medo dele ser capaz de
sentir inveja... Cresço tanto, tanto, que fico ” gorda ” de mim mesma, mas
em encantamento, continuo sorrindo...
Voleta de Beth Stockler
- Beth Stockler
- Rio de Janeiro, R.J, Brazil
- Brasileira,advogada,escritora, jornalista,artista plástica. Escrevi meu primeiro livro "A VOLÚPIA DE VOLETA " em homenagem as mulheres de espírito livre. Acabei de escrever o livro "CHIQUINHA E EU - REINVENTANDO O PASSADO", o lançamento está previsto para inicio de 2010. "VOLETAR" para mim é assumir a alma de Voleta. Liberdade de ser interior, fidelidade a seus principios, amar-se sempre, viver apaixonadamente, ser intensa e ABSOLUTA ,independente de todas as contradições que trazemos dentro de nós mesmas. Voletar é ser Voleta... Leiam o livro, acho que vão gostar de encontrar a Voleta que existe em todas nós mulheres e é hora de assumi-la !!!!